domingo, 5 de junho de 2011

Nesta segunda-feira, 06 de junho, o Adeus a jornalista Jacqueline Beaulieu, em Paris.


NOTA DE FALECIMENTO
Jacqueline Beaulieu, uma grande mulher do século XX
85 anos, francesa, jornalista, comunista, judia não praticante, bref, internacionalista


 



Por:
Mione Sales



"A vida de cada pessoa é vivida como uma série de conversas."
DEBORA TANNEN

Apagou-se, em 31 de maio, mais uma biblioteca inteira de conhecimentos em forma de pessoa: Jacqueline Beaulieu, sempre muito atualizada e crítica, não sarkozista, pronta aos engajamentos mais combativos pela humanidade. Pessoas como Jacqueline não morrem, expiram. Em nosso último encontro em abril, ela que sofria de um câncer no sangue, já bem consciente do seu estado, do fundo da sua lucidez e inteireza feminina e cidadã do mundo, disse: « só acho chato morrer, porque gosto muito de viver ».

Conheci Jacqueline num Atelier de Escrita no Théâtre Pazzo (Ménilmontant, Paris), em 2008. Ela partilhava a coordenação com a assistente social Catherine Legrand. Tornei-me amigas de ambas. Amor pelas palavras, gosto de ocupar o tempo com pessoas vindas dos mais diversos cantos do mundo. Dotada de disponibilidade intelectual, Jacqueline colaborou com a editoria Babel do Blog Mídia e Questão Social. Foi professora de jornalismo e trabalhou no célebre jornal do Partido Comunista Francês, l’Humanité. Mulher de forte personalidade, tinha dois filhos e separou-se numa época em que poucas mulheres tinham coragem de fazê-lo. Superindependente, no dia que soube que ela tinha 83 anos, quase caí para trás. Dava-lhe no máximo sessenta e muitos. Era bonita, sempre bem vestida, com sobriedade e elegância moderna , o que junto com as suas ideias lhe rejuvenescia muito.

Apreciava o estilo direto da escrita. Enxergava um excesso no uso de pontos de exclamação e reticências. « Não há nada que um ‘ponto’ também não possa dizer », argumentava ela . Sempre penso nisso hoje quando escrevo. Podia ser um Graciliano Ramos de saia, mas ao mesmo tempo adorava Marcel Proust, o célebre escritor francês que, se não tinha o dom da objetividade, possuía, de fato, uma das mais belas construções escritas da língua francesa. Mas aquele a quem Jacqueline Beaulieu reverenciava como o autor contemporâneo que mais apreciava era Patrick Modiano. Selecionei algumas passagens dele para dar adeus a essa grande pessoa, que, como disse um amigo do Bénin, inconsolável com a sua perda: « Ela era uma mulher formidável. Manteve a dignidade até o fim. » Concordo. Ela era mesmo formidável, uma lição de vida para todos os que a conheceram de perto.



Alguma pérolas de P. Modiano:
  •  Há seres misteriosos (…) que são como sentinelas nas encruzilhadas de nossas vidas.
       [Ville Triste]
  • Um dia, os mais velhos não estarão mais aqui. E será preciso infelizmente decidirmos viver com os nossos contemporâneos.
        [Vestiaire de l’enfance]
  • Pertencemos sempre ao nosso tempo. Não podemos fazer diferente, a não ser descrever nossa época, embora superficialmente pareça que escrevamos sobre o passado.
        [Trecho de uma Entrevista com Dominique Jamet – outubro
        de 1975]

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O enterro da ex-jornalista será amanhã, segunda-feira, 06 de junho, às 14:15, no Cemitério Montmartre, 20  Avenue Rachel, Paris.

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ALGUNS LINKS

Expurgo político: Jacqueline foi demitida do Jornal do PCF, juntamente com mais 2O outros jornalistas. A polêmica ainda pode ser encontrada on line.

http://www.ina.fr/economie-et-societe/vie-sociale/video/I00007140/l-humanite-et-les-licenciements-politiques.fr.html

J. Beaulieu saiu do PCF, mas permaneceu comunista e não admitia críticas injustas ou simplistas a esta tradição. Mesmo aposentada, não cessou seu combate. Aqui uma polêmica a propósito de Nizan, um autor francês que também rompeu com o PCF e foi injustamente caluniado até ser reabilitado por Sartre e pelo próprio PCF. Jacqueline opôs-se à crítica fácil do autor de uma resenha teatral sobre obra de Nizan, estendida de roldão ao comunismo. Nessa fico com a Jacqueline.

http://blogs.mediapart.fr/blog/antoine-perraud/141108/retour-sur-une-clabauderie-de-jacqueline-beaulieu-a-propos-de-nizan

Blog literário brasileiro que faz uma apresentação de Modiano. Alguns livros publicados em português, pela editora Rocco: Ronda da noite; Uma rua de Roma; Vila Triste; Dora Bruder; Do mais longe do esquecimento; Meninos valentes. Boa leitura.

Rede Modiano (FR) 

Um comentário:

  1. Mi, pelo que já ouvi de você sobre Jacqueline e, depois desta bela homenagem, lamento-me duplamente: por não lhe ter conhecido e por sua partida...
    Um abraço fraterno a você e igualmente a todos que fizeram parte de vida de Jacqueline.

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